quinta-feira, 26 de março de 2009

Crises da meia idade

A música eletrônica estagnou ou ainda inova? Se sim, por quê? Se não, onde está a excitação? Essa é uma discussão polêmica e talvez não tenha mesmo só uma resposta, mas várias.

Em primeiro lugar, a inovação dentro da música eletrônica vem acontecendo de maneira bem vagarosa. Parece estranho pensar hoje numa "explosão" do novo. Algo que um belo dia apareça e, boom, estabeleça novas regras, nova estética, novo tudo.

Impacto menor
A internet simplesmente eliminou o tempo de incubação, de desenvolvimento de um gênero um movimento ou um artista.

Hoje, é impossível acontecer de uma banda tomar aquele caminho de meses ou até anos entre surgir, ficar conhecido entre um grupo de pessoas, depois numa cena local, depois entre pessoas mais ligadas em outros lugares, depois na mídia especializada, para depois acontecer e explodir num patamar maior graças a esse acúmulo de repercussão.

Hoje, isso acontece num espaço de tempo muito menor. E quanto menor esse tempo de incubação, menor vai ser o seu impacto, menor vai ser a surpresa, todo o fator imprevisível que costumava vir quando algo estourava antigamente.

Pense no movimento punk, que começou no underground de Nova York no começo dos anos 70, foi exportado para o underground londrino alguns anos depois e ai vieram os Sex Pistols e todo mundo ficou sabendo do que se tratava. O punk, mesmo no Brasil, só veio dar seu primeiros sinais de vida a partir de 1978.

A house music ficou tomando forma em Chicago, assimo como o techno em Detroit, por vários anos, até que a Europa começasse a tomar conhecimento. No resto do mundo, tudo isso só foi se assimilado no anos 90, muitos anos depois.

Hoje os gêneros vão aparecendo na vida da gente aos poucos, sem grande impacto. A gente olhou para um lado, olhou para outro e dai eles tavam lá, sem grande estardalhaço. Você lembra como foi quando o minimal apareceu na sua vida? Ou o som maximal tipo Justice? Eu não, só sei que um dia olhei pro lado e eles estavam ai.

"Nunca mais vai haver uma banda como Beatles, ou pop stars como Madonna e Michael Jackson que alcançavam todo tipo de pessoa e faziam um sucesso praticamente universal."

Subgêneros não surpreendem mais
Outra coisa é que, como a música eletrônica está ai há muito tempo, estabelecida, vendendo celulares e refrigerantes, ninguém dá muito mais bola para os subgêneros. Para quem é de fora então, a quantidade absurda de vertentes parece até brincadeira.

As pessoas também parecem menos dispostas a serem surpreendidas ou ainda têm menos oportunidade para isso. Com a internet é muito fácil você ir direto ao tipo de som que gosta, em algo com vocal do jeito que você acha legal, com a referência aos anos 80 que você acha bacana e, para melhorar, é muito mais fácil se conectar com pessoas de qualquer parte do mundo que curtem aquilo que você gosta. As coisas ficaram muito mais setorizadas, mais individualizadas.

Isso reflete em várias áreas. A cultura de massa como era até os anos 90 não existe mais. Nunca mais vai haver uma banda como Beatles, ou pop stars como Madonna e Michael Jackson que alcançavam todo tipo de pessoa e faziam um sucesso praticamente universal.

E os DJs e produtores eletrônicos
Quem é o novo Mau Mau, o novo Marky, o novo Rica Amaral, o novo Fabrício Peçanha, o novo Leozinho? O mais perto que se chega é o Gui Boratto. Existem nomes que estouram e ficam famosos. Mas por quanto tempo?

Os nomes que ainda são os mais potentes são aqueles que vieram da década de 90: Fatboy Slim, Deep Dish, Richie Hawtin, Sven Vath, Daft Punk. Você pode argumentar que ainda não deu tempo para eles se formarem, mas eu digo: olhe para o calendário, estamos em 2008 e a década já vai acabar. Já tinha dado muito tempo para um nome forte se formar e isso não aconteceu. E se alguém me falar em Skazi e Infected Mushroom eu devolvo: se isso é o melhor que a música eletrônica pode oferecerem termos de um nome forte e duradouro para essa década, melhor a gente mudar de assunto.

Pelo mesmo motivo, a música eletrônica também não trouxe novos nomes para a mesa do mainstream nessa década: não teve um Fatboy surgido nesse milênio ou um Prodigy ou um Chemical Brothers. Você pode até citar Justice ou Digitalism, mas eu tenho absoluta certeza que esse nomes chegaram até onde chegaram com uma bela ajuda de duas forças: um marketing muito bem feito e uma super-ajuda da mídia.

Está difícil surgir um novo Prodigy
Como as pessoas parecem saber mais do que gostam, elas se aventuram menos. A sensação geral na música é que não estamos vivendo um momento especialmente criativo, nem inovador. Isso vale para o rock, MPB, black music e eletrônico. As pessoas preferem procurar mais daquele mesmo que gostam. Parece que vai sumindo o esforço para se gostar de algo fora do seu mundo. Pra que mesmo?

Mas a música eletrônica é convidativa hoje para quem é de fora dela? Quantas coisas se produzem que tentam abranger mais do que um universo limitado ou paralelo? Quanta coisa se produz de interessante e acessível que pode ser ouvido fora da pista de dança? Pode-se até dizer que muita coisa, mas essas coisas não estão indo além da cena eletrônica ou alternativa.

Uma coisa que se observa hoje é que nunca se produziu tanta música parecida no universo eletrônico. Uma massa de faixas funcionais, que seguem uma cartilha de comandos que irão fazer a maioria esmagadora dessas faixas são praticamente iguais até para quem é especializado, imagine para quem é de fora.

Eu continuo ouvindo muita música eletrônica boa, muitas faixas bem feitase, ocasionalmente, bem ocasionalmente, algo com potencial de revolução. Infelizmente, é uma sensação que logo passa na maioria das vezes... Não liguem não, é papo de meia-idade (minha? Da música eletrônica? Você decide...)

Por Camilo Rocha

O artigo abaixo foi retirado da revista House Mag nº 9 (novembro/dezembro 2008)
Fotos: Rodrigo Gomes (Kaballah Curitiba)

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