domingo, 8 de março de 2009

Profissão DJéia: há mais espaço para as mulheres na eletrônica?

Falamos com algumas meninas que discotecam profissionalmente para saber, passada quase uma década, como é ser DJ e mulher na cena dance brasileira

Eduardo Ribeiro

Na semana das mulheres, é comum todas as mídias voltarem-se para matérias comportamentais e analíticas sobre como anda a questão da "guerra dos sexos", assunto que existe desde que o mundo é mundo e que continuará a ser discutido até o fim dos tempos. É claro que hoje os tempos são mais amenos na cultura ocidental, mas as diferenças entre homem e mulher e as carica
turas que ambos às vezes assumem são tema para polêmicas, livros, filmes, programas de auditório e até piadas. Será que a gente está aprendendo a respeitar as diferenças?


Dentro da área que nós aqui do Skol Beats cobrimos, que é predominantemente a dance music, as mulheres já provaram o que tinham que provar - se é que realmente havia algo a ser afirmado -, existem inúmeras "DJéias" que são fera na discotecagem e tocam para público devotado. Existe mais espaço, mais meninas se lançando nas picapes e mais promoters interessados nelas do que no começo dos anos 90, quando a cena brasileira, ainda embrionária, via seus primeiros DJs despontarem. Mas, aqui e ali, eventualmente surgem alguns percalços.

A DJ de Curitiba Jô Mistinguett, por exemplo, disse na entrevista que vocês leem a seguir que ainda existe resistência quanto às produções feitas por mulheres. Para a sulista DJ Angel, nossa entrevistada da semana, apesar de haver muito mais igualdade e presença feminina, a nova geração se acomodou com o espaço conquistado pelas DJéias da velha escolha, e nem pensa muito em apurar a técnica.


Já a simpática e talentosa nos turntables DJ Anali (no destaque) concorda que o público não exije tanta superação das meninas, mas acha que a tendência é isso diminuir com o tempo. Enquanto que a DJ Livia Grimberg evanta uma questão interessante quando afirma que os promoters, na hora de bookar um artista, às vezes veem o fato de ser mulher como um atrativo para a festa. Se este ou outros fatos são sinônimo de sexismo ou não, quem tem que falar é quem protagoniza a situação. Com a palavra, portanto, quatro das mais promissoras DJ Girls do dancefloor verde e amarelo. Às mulheres de presença forte, feliz 8 de março!


No início dos anos 90, quando a cena brasileira eletrônica dava seus primeiros passos, era incomum encontrar DJs mulheres. Lembro que quando as primeiras meninas começaram a aparecer, a técnica não era tão exigida pelo público, como se só o fato de ser menina e estar ali já bastasse. Com a evolução das meninas na discotecagem e produção, vocês acham que a cena ainda "passa um pano" ou a galera tem sido exigente tanto quanto com os caras?
DJ Angel: Acho que passa um pano sim. No começo, era comum que as meninas fossem coadjuvantes na cena, fazendo parte de grupos ou se apresentando sempre acompanhadas por homens. Quando eu comecei (faz quase dez anos) dava pra contar nos dedos de uma mão quem eram as mulheres trabalhando na cena de igual pra igual com os homens. Por incrível que pareça, essas mesmas mulheres que começaram comigo estão até hoje na cena, e não causam dúvidas quanto à qualidade do seu trabalho. Algumas têm apelo visual, outras não, mas ninguém questiona o trabalho delas. Isso aconteceu porque elas cresceram com a cena e sempre tiveram a visibilidade equivalente ao potencial do seu trabalho. Foram crescendo e aprendendo conforme a cena foi ficando maior e mais profissional.
Com as meninas novas acontece o oposto. Elas conseguiram uma visibilidade muito grande logo no inicio da carreira, quando ainda não estavam preparadas para encarar alguns desafios aos quais estavam sendo expostas. Disso tivemos dois times: um que aprendeu na marra, mas que ficou estigmatizado pela falta de qualidade do começo, e outro, que se acomodou vendo que não era mesmo necessário qualidade para conseguir espaço sendo mulher.
O público em geral não é exigente nem com as mulheres nem com os homens, querem apenas se divertir. Dentro da balada sempre temos aqueles que sabem o que está acontecendo, mas a maioria mesmo quer ouvir música boa, com o mínimo de qualidade para não atrapalhar a noite. A responsabilidade maior é do contratante, que normalmente sabe o que está comprando.

DJ Lívia Grimberg: Acredito que hoje em dia não haja mais muita diferença entre um DJ homem ou uma DJ girl. O público está muito exigente e informado. Na minha opinião, já passamos dessa fase de "passar um pano", pois o número de DJs mulheres cresceu incrivelmente. Atualmente, ver uma mulher nas picapes já não é mais uma grande novidade.

Jô Mistinguett: Bom, acho que existe de tudo. Existe aquela mulher que nem se preocupa com a mixagem, e sim em como vai chamar a atenção em cima das picapes, e existem as que levam a sério e querem mixar muito bem. Acho que algumas cenas banalizaram a profissão DJ, hoje em dia tem tanto homens quanto mulheres que fazem sucesso sem nem mesmo mixar. Vai da cabeça de cada um. O público em geral não é muito exigente nesse sentido, principalmente no meio alternativo.

DJ Anali: Sinceramente, eu acho que não tão exigente quanto com os caras. Eu vejo muitas mulheres tocando totalmente despreocupadas com técnica, com repertorio, coisa que se fosse um DJ fazendo provavelmente não estaria tocando no mesmo lugar ou tendo o mesmo reconhecimento, mas a tendência é isso diminuir cada vez mais.

Vocês acham que a sensibilidade feminina para a música é diferente da masculina, ou tentar definir essas coisas é pura besteira?
DJ Angel: Eu acho que a diferença está no jogo de cintura. As mulheres têm tanta percepção quanto os homens, mas eles nem sempre fazem o que o público quer, ou precisa. As meninas são mais flexíveis, e costumam procurar a melhor maneira de entregar ao público o que eles estão pedindo. É comum, para mim, tocar a melhor versão da pior música, porque o público está pedindo aquela. E muitas mulheres não enxergam isso como depreciativo, e sim como aquilo que tem que ser feito. É uma questão de ego, e acho que os homens têm mais dificuldade para lidar com isso.
Com o público informado que temos hoje, não adianta querer ser o dono da verdade e escolher o repertório sem levar em consideração as outras pessoas da pista. O detalhismo das mulheres está na atenção ao público.

DJ Livia: Acho que nós não podemos diferenciar essa tal sensibilidade pelo sexo, e sim por pessoa, de DJ pra DJ. Na minha opinião, não podemos generalizar: o jeito que o DJ brinca com a música e expressa seus sentimentos para o dancefloor depende cada um. Homem ou mulher.

Jô: Tenho amigos que acreditam nessa diferença. Mas eu, sinceramente, não acredito que o sexo influencie na mixagem (risos). O que acontece é que de fato é um meio muito masculino. Hoje em dia é que se vê mais DJéias. Tem aqueles que defendem as mulheres, e aqueles que acham que mulher nunca sabe mixar.

DJ Anali: Não, eu acho que não. Eu acho que a sensibilidade, vibe, detalhismo, entre outras coisas, vêm do conhecimento, do bom gosto e da experiência do DJ, independente se é homem ou mulher.

Existe assédio às meninas que tocam, pela experiência que vocês têm nas festas, ou isso é um lance groupie que rola mais com os homens, as chamadas "Maria Picapes"?
DJ Angel: Existe, mas é bem menor. Os homens têm uma dificuldade maior de chegar nas DJs do que as meninas, porque isso faz parte do jogo delas, e não do deles. A abordagem das meninas é sempre mais aberta, e elas não sentem vergonha de chegar junto. Para os homens, isso acaba sendo mais difícil, acho que porque eles se sentem fora da zona de controle em abordar publicamente uma mulher que está em posição de destaque na balada. E isso não é só com as DJs. Acho que é com as mulheres em geral. Conheço muitas DJs solteiras como eu, que mesmo com todo o assédio, não recebem cantadas diretamente. É bem difícil acontecer.

DJ Livia: (risos) Engraçada essa pergunta! Acho que isso rola mais com homens, nunca fui assediada por nenhum "Mario Picape". Não sei se eles ficam com vergonha, mas nunca rolou comigo diretamente.

Jô: Sempre tem gente que quer conversar, falar besteira ou pedir música.

DJ Anali: Rola assédio sim, porque o DJ é o destaque da festa, depende de nós se as pessoas vão gostar da festa ou não, se vão dançar ou não, enfim, isso atrai bastante a atenção das pessoas, né?! Eu sou muito mais assediada quando vou tocar na balada do que quando vou simplesmente curtir.

Em termos de mercado, booking, essas coisas. As mulheres têm demanda em pé de igualdade hoje em dia? Ou os promoters ainda torcem o nariz?
DJ Angel: A demanda é a mesma, mas as meninas perdem terreno ao competir com os Top DJs. Na faixa de preço dos iniciantes é igual, na faixa de preço dos intermediários é igual em valor, mas as mulheres são poucas. Quando entramos na faixa mais alta de preço, aí temos diferença sim. O valor dos cachês dos Top DJs são maiores para os homens. Mas as oportunidades são as mesmas. O público pede, então os promoters não têm muito que fazer e acabam contratando.

DJ Livia: Acho que os promoters não torcem o nariz, não. Não há mais tanta diferença entre DJs homens e mulheres: mesmas exigências, mesmo mercado. Às vezes os promoters até enxergam o fato de ser mulher como uma atração, um benefício pra festa.

Jô: Acho que é igual. O que tem importado hoje em dia é como você toca, o que você toca, e a popularidade que você já tem. Comigo nunca aconteceu algo do tipo. O que acontece é em relação às minhas produções, nesse sentido sim, acham que mulheres não conseguem produzir.

DJ Anali: Olha, o fato de ser mulher ajuda nos bookings, apesar de ter se tornado mais comum hoje em dia, mas as pessoas gostam de ver mulheres nas picapes. É um atrativo a mais.

+ info
www.djangel.com.br
www.myspace.com/livgrimberg
www.myspace.com/jomistinguett
www.myspace.com/djanali

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