quarta-feira, 29 de julho de 2009

Uma experiência com estrelas cadentes Fora do Tempo

Assim como no texto sobre o Universo Paralello#9, a jornalista Paula Romano nos presenteia com mais um belo texto. Dessa vez, Paula fala sobre os cinco dias que passou dentro do Festival Fora do Tempo, na Chapada das Mesas (Carolina-MA). Leia abaixo o relato da jornalista.

Se puder sugerir algo, antes de iniciar o texto, coloque “Karma Police”, do Radiohead para ouvir.

Julho de 2009, entre os dias 22 e 27, na Chapada das Mesas, em Carolina no Maranhão, destino ao Festival Fora do Tempo. Saindo de São Paulo a previsão média era de umas 40 horas de viagem. Dentro do ônibus a primeira impressão é: “essas pessoas não trabalham?”. Mas, sim, elas trabalham, têm casa, alguns são casados, outros têm filhos – pessoas “normais”, quer dizer, até onde a normalidade dentro desse nicho permite.

Sai de São Paulo, no dia 20 de julho à tarde, estava sozinha, a princípio sentia um frio na barriga amedrontador, afinal, era o meu primeiro Fora do Tempo, a primeira vez que encarava tanto tempo dentro de um ônibus, e minha primeira viagem realmente só. E, para completar, durante os dias da viagem eu completaria mais um ano de vida. Resumindo: era tudo novidade.

A viagem de ida foi tranquila, conforme os estados iam passando o clima enfadonho e gélido de São Paulo ia ficando pra trás para dar lugar ao calor tipicamente brasileiro. E que calor!

A cidade de Carolina, no estado do Maranhão, era a última parada antes de enfrentar as areias do FFT. O local é simples, dando uma pequena volta dá para perceber algumas situações precárias, que não se vê tão fácil na Capital Paulista. O Mercado Municipal da cidade, por exemplo, corta o gado e expõe ao Sol ali mesmo, fica tudo à mostra - no primeiro momento fiquei um tanto surpreendida, mas para quem mora lá, óbvio, é normal e natural. Engraçado como existem vários “Brasil’s” dentro de um só. Em São Paulo a gente pena com uma violência urbana, o caos, no Maranhão as pessoas penam com a falta de opção, com cidades deixadas de lado pelo governo, e com um calor descomunal - mesmo sendo inverno no calendário.

Para chegar até o local do Festival era preciso pegar um barco até a Ilha dos Botes, a organização poderia ter avisado que o translado custaria R$ 40 reais para os bolsos dos seus alojados, já que o valor não é tão simbólico assim e era a única opção do local.

Adentrando a Ilha, no dia 22, era nítido que muitas coisas ainda não estavam prontas para receber os participantes do festival: os chuveiros estavam desligados, a cerveja quente e as barracas de comida fechadas. Fora a pista principal que só abriria na manhã seguinte, dia 23, e o Chill Out que ainda se encontrava em testes de som.

O Festival vai crescendo e sendo montado com a gente dentro. Um tanto de desrespeito, pois enfrentar 40 horas de viagem e não poder tomar banho quando chega é bem complicado, sorte que a Ilha dos Botes é banhada pelo generoso Rio Tocantins, que além de ter água quente por conta do Sol escaldante é de uma imensidão grandiosa, dava para ficar horas e horas em frente a ele, refletindo sobre a vida, e em como é estar Fora do Tempo.

Ainda no dia 22 o Festival preparou um Ritual de Abertura no Chill Out, os organizadores discursaram mensagens de paz e harmonia, para que os dias dentro da Ilha fossem celebrados com muita dança, música, harmonia e sincronicidade entre as pessoas.

O Chill Out era o ambiente mais agradável do Festival, as músicas eram boas e a sombra certeira, afinal, como foi dito antes: fazia muito Sol sob as areias do Maranhão. Aqui, vimos homenagem ao Michael Jackson, e Amy Winehouse, The Cure e Radiohead fizeram parte dos sets. Fora músicas com elementos eletrônicos que mesclavam entre Groove, Dubs e sons mais dançantes, sem perder o clima relax que todo chill out pede.

Vale destacar a apresentação do 7 Estrelo, também no Chill Out, um misto de Teatro Mágico com música eletrônica leve e despretensiosa, que chega quase como poesia aos ouvidos.
No dia 23, a partir do meio dia, foi aberta a Pista Principal, a organização também preparou uma “largada”, a energia embutida naquelas pessoas, e naquele momento, infelizmente é impossível de descrever com maestria. Porém, imagine pessoas de olhos vendados celebrando a música e os elementos da natureza, posso até dizer que vi uma dança da chuva surtir efeito. O ambiente foi tão saudado que a natureza nos deu de presente uma tempestade surreal, que literalmente abalaram as estruturas do evento: o sombreiro despencou por conta do vendaval.

O mais bacana de uma experiência dentro de um Festival de Trance é ver as pessoas testando seus limites, sim, é surpreendente o que elas se sujeitam para estar num ambiente daqueles. Porque, realmente, não é fácil enfrentar Sol forte, andar cinco dias sob as areias fofas que acabam com as pernas e panturrilhas, ter que se sujeitar a fazer necessidades fisiológicas em fossas, não tão bem preparadas e alertadas pela organização. E olha que já sai de casa sabendo que não encontraria banheiros limpos e banheiras para o banho.

Foi triste em certos momentos não se sentir amparado pelo local, e, ao decorrer do tempo, ver a Ilha se transformar num grande banheiro, cheio de dejetos humanos e sujeira espalhada. Tudo pode parecer bonito, mas não tem como se cegar ao impacto ambiental que 2 mil pessoas fazem numa ilha em clima de festa sem fim, até mesmo os nativos da região não eram conscientes – apesar da proposta ecológica que fomos engajados. Não havia condições de mais dias de Festival, nem para natureza, nem para as pessoas – o desgaste é significativo, e beira até a falta de educação.

As opções para comer eram limitadas, não havia muitas opções e tudo custava muito caro. Sem contar no dito Ano Novo Maia, que foi celebrado no dia 24 de julho, com fogos de artifício e pessoas de branco. No entanto, não era Ano Novo Maia, não sei em que parte a organização se confundiu. Conversei com um especialista do Calendário Sagrado, que me garantiu que o Ano Novo Maia, virou de ano em Abril desse ano, e não em Julho.

Havia também uma tenda de meditação e purificação com palestras e conscientização sobre ecologia, sobre os enigmas do mundo e em como é importante alastrar o amor. E isso realmente funciona. Como disse no início, eu fui sozinha, mas não quer dizer que me senti só. Pelo contrário, fiz bons amigos, me diverti muito, dancei, entrei em transe, dei boas risadas e até bolo de aniversário eu ganhei.

A experiência, sem dúvida alguma, é muito válida, pois os poucos dias na celebração do Fora do Tempo nos fazem valorizar as coisas que passam despercebidas no dia a dia. Viver na babilônia paulista também é uma luta, em todos esses dias choveu pelo estado de São Paulo todo, e lá podíamos aproveitar do calor, se banhar no rio, fazer bons amigos e, para completar, aproveitar o que a cultura trance tem a nos oferecer.

Com contrapartidas ou não, o Festival Fora do Tempo é um marco no calendário trance, e quem preserva esse tipo de vida a dose de pessoas e tempo é certeira.

Por: Paula Romano - essential

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