segunda-feira, 13 de abril de 2009

(entrevista) André Barcinski: "O país desencanou de rave"

Jornalista de formação, André Barcinski, um dos sócios do Clash Club, importante clube de SP, é conhecido na cena eletrônica por ser um dos cabeças da Circuito, reconhecida festa de techno; mas ele já organiza eventos desde os anos 80, quando embarcou numa viagem sem volta com a música...

André Barcinski está envolvido com música, seja rock ou eletrônica, já há bastante tempo e de modo muito íntimo. Como colaborador da extinta revista Bizz nos Estados Unidos durante os anos 90, cobriu vários assuntos ligados à efervescência da cena alternativa, como o grunge e o punk, o que deu no ruidoso livro Barulho - Uma Viagem Pelo Underground do Rock Americano. Em sua empreitada jornalística, ainda publicou outras duas obras que abrangem vida e obra de nomes pioneiros, cada qual à sua maneira e realidade, da cultura nacional: José Mojica Marins, o Zé do Caixão, e o grupo trash metal Sepultura (Sepultura - Toda a História; 1999).

Do Mojica ele é camarada, junto com Ivan Finotti dirigiu o documentário Maldito (2001) e divide autoria do livro homônimo (Editora 34; 1998) sobre o mestre do terror verde e amarelo; atualmente, dirige o talk show, ao ar pelo Canal Brasil, O Estranho Mundo de Zé do Caixão (segundas, meia-noite, 2ª temporada).

Acostumado a organizar shows desde os anos 80, era um dos que faziam acontecer as raves da Circuito, festa que teve várias edições históricas e continua rolando no Clash. Ele também foi um dos apresentadores do programa Garagem ao ar pela Brasil 2000, cuja existência foi muito relevante para o fortalecimento do underground brazuca, e que teve várias festas memoráveis assim como a rave.

O Clash Club, casa noturna da qual André é sócio, em dois anos de existência já trouxe uma porção de nomes bacanas para o Brasil e tem sido espaço para algumas das melhores programações que rolam na noite de São Paulo, o que rendeu ao clube lugar entre os nomeados pela Folha de S. Paulo por duas vezes consecutivas.

Ele me recebeu em seu escritório na Barra Funda numa tarde de final de janeiro para a entrevista que publico aqui somente agora. Tive problemas com a fita, mas consegui transcrever boa parte da conversa, em que falamos sobre música, noite, jornalismo e de sua primeira paixão, o cinema. Acompanhe:

Você trampa com música desde os anos 80. Naquela época começou escrevendo?
Eu comecei a escrever sobre música ainda na faculdade, eu trabalhava na Tribuna da Imprensa em 85, um jornal no Rio. Não era formado ainda, tinha 17 anos. E aí eu fui fotógrafo no Jornal do Brasil, fiquei três anos, e depois eu vim pra Folha como repórter.

Quando você pensou em fazer jornalismo, seu objetivo era escrever sobre música?
Meu objetivo na verdade era escrever sobre cinema, mais que música. Eu gosto dos dois igualmente, mas na época eu estudava muito cinema, via muito filme. Na época não tinha videocassete, então era cineclube mesmo. E fundei um cineclube no colégio, eu ia no Instituto Goethe, alemão, na Aliança Francesa... Enfim, buscava filmes pra passar no colégio. Na Tribuna da Imprensa eu entrei pra escrever sobre os dois, música e cinema.

Naquela época o número de profissionais que manjavam de música, que estavam informados, era mais escasso, não?
A informação era realmente muito difícil de conseguir. Não havia tanta literatura sobre o assunto, então você tinha que falar inglês fluentemente e tinha que importar livro. E em 85, 86, as encomendas de livros demoravam cinco, seis meses. Tinha que ir na Livraria Cultura ou na Leonardo da Vinci no Rio, fazer um pedido em janeiro e o livro chegava em julho.

E hoje em dia as mídias em geral estão entupidas de nego se metendo a escrever sobre música...
É que a internet facilitou muito a conseguir informação. O acesso é muito mais rápido, muito mais fácil. Por um outro lado todo mundo ficou mais preguiçoso, porque hoje em dia você tem um monte de crítico e não tem mais jornalista. Tem muito pouco repórter escrevendo sobre música. O cara pode até escrever de casa, fazer um blog qualquer lá. Mas não tem o rigor de entrevistar, fazer, pesquisar in loco, que era o que rolava muito na época.

Você é da primeira geração de repórteres da Bizz? Quando começou com o Alex Antunes...
Não, segunda, terceira. Eu comecei a escrever pra Bizz em 89. Mas eu nunca fui funcionário da Bizz. Eu sempre fui freela. Escrevia em outros lugares e sempre fiz de freela, nunca fui da redação. Por isso que na época eu morava no Rio, aí depois eu vim pra SP, fiquei trabalhando na Folha e, em 92, eu me mudei pros Estados Unidos. Fiquei dez anos trabalhando lá e eu escrevia muito pra Bizz de lá.

Em 92 eu tinha doze anos e virei assinante da Bizz. Lembro dos seus textos, das matérias de várias pessoas, eu ficava pensando que queria escrever que nem os caras... Achei uma pena o fim da revista...
É... Pra uma revista sobreviver hoje é muito mais difícil, existe muita competição. Não à toa que mídia impressa esteja em crise no mundo inteiro. É especialmente complicado pra uma revista mensal de música! Hoje a informação é rápida. Uma coisa acontece de manhã e de tarde já tá todo mundo sabendo, é outra época.

O curioso é que quando várias revistas fecharam, no mesmo período apareceu a Piauí, a Rolling Stone. Será que é o público alvo fechado em música, num tema só, que não vende revista? (nota do ed.: depois da entrevista, anunciaram que a Vice também terá edição nacional, enquanto a Set, de cinema, deixou as bancas)
Olha, eu não sei quanto que a Rolling Stone e a Piauí estão vendendo. Mas eu acho que revistas com matérias grandes e exclusivas, que não se apegam ao noticioso, são as que têm chances de sobreviver. Não adianta querer ficar competindo com a internet. Infelizmente tem de ser pautas um pouco mais frias, talvez, mas com grandes reportagens e torcer pra que tenha um público ainda interessado nesse tipo de coisa.

E os textos dessas grandes reportagens têm de ser criativos, os escritores precisam buscar estilo... Dar sabor ao texto...
Eu acho que só esse tipo de reportagem é que salva uma revista impressa hoje. Pra que você vai pegar uma revista mensal pra ler sobre o artista que assinou contrato pra uma excursão no Brasil? Quando você pega uma revista mensal com esse tipo de informação, ou você já tá sabendo há um mês ou a data está errada, pois no processo do fechamento a coisa muda. Eu apostaria nas grandes reportagens...

Como foi que do rock você foi parar no techno? Já teve preconceito com eletrônica?
Já, todo mundo que cresce no rock tem preconceito com música eletrônica... Mas eu sempre gostei de coisas tipo Ministry, Front 242, essas coisas, New Order. Em 98 eu morava em Nova York e comecei a ir numas festas de um cara chamado Frank Bone, uma lenda do techno americano, e ele fazia umas festas muito legais em lugares abandonados em NY. Pegava uma fábrica abandonada no Brooklyn, na época o bairro tinha muitos lugares assim. E você descobria a festa porque ia numa loja, lá tinha um flyer com o nome do DJ que ia tocar e o telefone. Daí você tinha que ligar no dia pra saber, totalmente underground. E eu comecei a ir, comecei a me interessar. Voltei pro Brasil em 99, comecei a frequentar as festas daqui, me interessei, e, em 2000, tive a ideia de montar uma empresa pra fazer eventos de música em geral. Show de rock... Eu já trabalhava com show de rock desde os anos 80, fiz evento no Circo Voador, tinha um programa na Fluminense FM em 87 e a gente fazia vários shows lá. Então eu tinha certa experiência de produção, até que em 2001 quis montar a Circuito pra trabalhar somente com música eletrônica.

A Circuito hoje, depois de quatro anos como rave, virou festa semanal do Clash Club. Você desencanou de rave?
Não é que eu desencanei de rave. O país desencanou de rave. Você tem duas alternativas hoje. Ou você faz um evento pra 20 mil pessoas num lugar que comporta show da Ivete Sangalo e tal, ou você faz num lugar pra 500 pessoas, que ninguém fica sabendo. Porque não dá pra conseguir alvará, sem isso você tem que fazer a festa na ilegalidade, coisa que a gente não vai fazer, porque temos contrato com empresas que nos apóiam e está acordado que sem alvará a gente não faz. Então ficou impossível, entendeu? Em Arujabel não dá mais pra fazer, no Lago também, Magic City não rola. Todos os lugares que a gente achou, começamos a fazer festa e dois, três anos depois alguma prefeitura foi lá e fechou. Fica complicado.

Quer dizer, os caras não proibiram pra valer, mas deram um jeito de inviabilizar...
É aquela coisa, você põe tantos empecilhos... Por sorte nós tivemos a ideia de fazer o Clash há três anos e é um projeto que está dando certo e supriu a ausência. Lógico que é legal fazer rave, todo mundo gosta, mas é legal quando você está lá dentro. Três dias antes ou depois, com o trabalho que dá, o investimento financeiro, os problemas burocráticos, o comportamento do público, são muitos riscos.

E está rolando legal a Circuito no Clash?
Está sim, a Circuito de sexta no Clash é a nossa melhor noite. Tem muita gente que ia nas raves que aparece. É claro que tem o público que gosta mesmo de rave, não tem jeito, não gosta de clube. Mas por outro lado tem um público muito grande que não aguenta mais pegar o carro e dirigir uma hora pra ir, uma hora pra voltar.

O legal das raves da Circuito é que eram a maior comunidade...
É, tem um núcleo central de pessoas que se conheceu lá e que continua vindo aqui. A gente fazia festa com os DJs que gostávamos, trouxemos diversos DJs que nunca tinham vindo no Brasil... Na última rave que a gente ia fazer, queríamos trazer o Technasia, o live dele, e três semanas antes o alvará não tinha saído ainda, entendeu? Então corríamos o risco de, no meio da festa, baixar a polícia lá e acabar com tudo. Eu não vou fazer isso com duas, três mil pessoas no lugar. Então preferimos cancelar a festa e trazer aqui pro Clash. É isso.

Bom, dois anos de Clash, vocês já foram eleitos pela Folha um dos melhores clubes de São Paulo... O que tem pra 2009?
Então, tem que ver agora como que o dólar vai afetar, né? Dizer que não vai é mentira, com certeza não vai dar pra trazer tantos gringos. Mas vai ter bastante coisa legal ainda, nomes fortes. Vamos ver como essa crise vai refletir no consumo do público também. E eu acho que o Brasil tem um monte de DJs f***, gente boa pra caramba, e assim, se não dá pra trazer mais gringo, vamos trazer os melhores brasileiros. Quando a gente faz uns lineups nacionais de peso aqui a casa lota, sempre funciona, não tem essa, não é só DJ gringo que vende. Muito pelo contrário, tem DJ brasileiro que é muito mais famoso que qualquer gringo.

+ info www.clashclub.com.br

Por: Eduardo RIbeiro - skolbeats

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